Alguém que escreve uma coisas dessas não poderia morrer tão cedo.
Antigamente havia uma noção razoavelmente disseminada de que ter
“cultura geral” era importante, de que fazia parte dos requisitos da
cidadania. Hoje, na suposta Era da Informação, é difícil imaginar
compromisso mais fora de moda. Mesmo artistas, escritores e professores
têm lacunas tremendas na formação cultural. Como se via na seção
“Antologia pessoal” que este caderno mantinha, eles não leram muitos
clássicos, dominam mal os conceitos filosóficos e científicos e se
interessam pouco por história. Penso em diretores de cinema como
Bergman e Fellini, no conhecimento amoroso que tinham de literatura,
teatro, pintura e música, e comparo com os atuais, dos quais tenho
conhecido alguns. A diferença de repertório é abissal e, mais
importante, se manifesta nos filmes, hoje tão mais vazios(…)
Inteligência, claro, também parece tão fora de moda quanto usar
chapéus. Programas de TV e revistas falam o tempo todo em “tipos de
inteligência” ou em “inteligência emocional”, mas não conseguem
disfarçar o sabor de vingança que sentem com esse desprestígio do
raciocínio articulado, formado por leituras atentas. E desvincular
inteligência e cultura é outra tática que só serve ao conservadorismo
dos nossos tempos, ao consumismo sentimental que emana da mídia sem
parar. Sim, há pessoas que leram muito e continuam burras, mas isso
porque leem burramente… O difícil é querer que as pessoas realmente
inteligentes não sejam curiosas por natureza, atraídas pelo
conhecimento porque sabem que sem ele não há equipamento mental que se
aprimore.
Essa overdose audiovisual, adversária da
concentração sem a qual não existe formação – e toda formação exige
alto grau de autodidatismo –, é apenas uma das causas do crescente
desbotamento cultural da humanidade. A visão do intelectual como um
sujeito ou insensível ou desajeitado, ainda que muitos intelectuais a
confirmem, tem outras motivações históricas. Pode reparar que nos
filmes de ação, sobretudo americanos, os vilões são sempre mais
“sofisticados” que os heróis; se estes triunfam, é porque têm bom
coração. Em parte isso tem a ver com os estereótipos sobre o nazismo,
que provocam a pergunta banal sobre “como alguém que escuta Schubert
pode matar milhões de pessoas” (escutar Schubert não é atestado moral);
mas, na verdade, os antecede, como na cultura rousseauniana que as
Américas adotaram.